quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Jornal Pampulha 11/07/2008

Sambistas mineiras erguem a bandeira do gênero com maestria e falam das dores e delícias de ser mulher num ambiente notoriamente masculino

por MILTON LUIZ

Sociedade carioca do início do século XX. Tradicionalmente, o papel da mulher no mundo do samba era o de dedicação ao lar - ou aos aos quintais, onde seus maridos reuniam os amigos para tocar, ensaiar e criar. Eram as famosas "tias". Foi no quintal de uma delas, tia Ciata, que o samba nasceu e virou expressão máxima da cultura popular brasileira. Na história do samba, sempre foi notória a presença masculina. Nos últimos anos, no entanto, tem aumentado a quantidade de sambistas femininas que está revertendo esse quadro e ampliando o papel da mulher no gênero.

Para falar sobre como as mulheres conseguiram reverter um quadro tipicamente masculino e erguer a bandeira do gênero com maestria, o Pampulha reuniu seis sambistas mineiras. Dona Elisa, Diza Franco, Lúcia Santos, Jussara Assis, Aline Calixto e Janaína Moreno se encontraram no Memorial do Samba, no bairro São Paulo, para falar das dores e delícias da mulher sambista. O local do encotnro abrigou, nos anos 80, o Curral do Samba, casa de espetáculos onde Beth Carvalho, João Nogueira e Zeca Pagodinho vinham lançar seus discos na cidade.

Com a palavra, Janaína Moreno: "Não podemos esquecer que o samba começou com as mulheres entoando ladainhas. Depois que elas ganharam autonomia, reivindicaram outros papéis que o de passista e cabrocha. Claro que eram olhadas de forma torta. Não foi fácil. Tanto que quando Dona Ivone Lara começou a compor, pediu a um primo, Mestre Fuleiro, para assinar e mostrar a outros sambistas porque, se soubessem que era de uma mulher, não cantavam."



Da submissão à liberação

Os primeiros sambas nem sempre tratavam a mulher com dignidade. Num grande clássico, mulher de verdade era aquela que achava bonito passar fome ao lado do homem (“Ai, que Saudades da Amélia”). A sambista Doris dos Santos, que desenvolve um projeto nas escolas da periferia trabalhando a auto-estima das crianças carentes através da história do samba, aponta mudanças.

“Quando me falam dessa abordagem machista da mulher no samba, lembro de sambas que me remetem à essa busca da mulher pela libertação. Um deles é ‘Apaga o Fogo, Mané’, de Adoniram Barbosa e Martinho da Vila. Começa falando que ‘Inêz saiu para comprar pavio para o lampião e termina com um bilhete dela dizendo que pode apagar o fogo que ela não voltava mais’.”

Dedicação exclusiva

Mesmo ganhando espaço, nem todas conseguem viver exclusivamente do samba. Diza, que se apresenta frequentemente no Cartola, trabalha como funcionária pública. Jussara Assis é professora de português: “Eu não vivo do samba, mas não vivo sem ele.” E todas admitem: o ambiente ainda é majoritariamente masculino. A veterana Dona Elisa sofreu na pele o preconceito. “Para a gente chegar e entrosar na turma, era difícil. Eu sempre saía nas noites para ver se arranjava um lugar para trabalhar. Em 1983, numa casa de espetáculos na rua Rio de Janeiro, pedi ao cara para dar uma canja. Ele perguntou o que eu ia cantar. Disse que era samba. E ele: ‘Sabe que você está uma nega muito feia e velha para cantar samba?’”.

Janaína Moreno, que entre outros projetos comanda o ‘Esse Samba É de Moça’, vê avanços. “Quando encontro meus parceiros para compor, não passa pela cabeça de ninguém: ah, eu sou mulher; ah, eu sou homem. Ali há algo, um bem comum, mais importante do que o gênero masculino e feminino.”

Jussara de Assis, que começou a se apresentar nos anos 80 (“Era molequinha de 15 anos e já cantava no Tô a Toa, um bar que existia na praça da Liberdade, no Curral do Samba...”), foi fundadora da primeira banda de samba de mulheres de Minas. Chamava Ousa Samba. Isso foi em 1994.

“Fizemos muito sucesso. Tocávamos no terraço de um shopping da Barroca para 1.200 a 1.500 pessoas, e também na Savassi. As pessoas ficavam assustadas ao ver mulheres tocando. Chegamos a ser procuradas pela Sony Music para gravar. Mas o que mais encanta os homens é ver a mulher tocar. Estou no palco e, na hora que pego o cavaquinho, parece que entrou um ET em cena (risos).” (ML)

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